Estratégias de rentabilização de ativos intangíveis na nova economia do conhecimento.
Na era em que o valor das empresas se mede cada vez mais pelos seus ativos intangíveis — como marcas, patentes, algoritmos, bases de dados ou know-how —, é urgente olhar para a inovação com uma perspetiva de retorno. Este artigo explora as principais estratégias jurídicas, comerciais e financeiras para transformar inovação em receitas, proteger ativos estratégicos e atrair investimento. Aborda ainda exemplos práticos de licenciamento, monetização e avaliação de ativos, mostrando como uma gestão inteligente da propriedade intelectual pode ser um verdadeiro motor de crescimento e diferenciação competitiva.
O valor crescente dos ativos intangíveis
Os ativos intangíveis – como patentes, marcas, direitos de autor, segredos comerciais, software e conhecimento especializado – são atualmente a base do sucesso competitivo das empresas. Não aparecem fisicamente nas prateleiras nem nos armazéns, mas figuram como ativos não correntes no balanço e podem representar a maior parte do valor de mercado de uma empresa [1][2].
Na prática, despesas em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e aquisições de patentes podem aumentar o património líquido e ser amortizadas gradualmente na demonstração de resultados. Contudo, muitos ativos criados internamente não constam diretamente do balanço, exigindo especial atenção à sua gestão estratégica.
Estes ativos, ao serem registados no balanço como ativos não correntes, aumentam o valor contabilístico da empresa e, mesmo quando não estão registados no balanço, podem ser considerados em avaliações de crédito, processos de fusão e aquisição ou mesmo em operações de financiamento.
Do ponto de vista da demonstração de resultados, a amortização permite distribuir o impacto financeiro do investimento ao longo do tempo, reduzindo a pressão sobre os resultados de curto prazo. Além disso, a exploração destes ativos pode gerar fluxos de caixa adicionais e previsíveis, através de contratos de licenciamento ou outras formas de monetização, contribuindo diretamente para a robustez financeira da empresa.
Empresas que gerem a propriedade intelectual de forma integrada têm maior probabilidade de sucesso. Segundo o EPO e o EUIPO, as PME que registam patentes e marcas têm uma probabilidade até 10 vezes superior de obter financiamento nas fases iniciais [1]. Estes dados demonstram que proteger a inovação é uma vantagem competitiva e uma credencial de solidez perante investidores.
Contexto e tendências atuais
A economia digital e a globalização acentuaram a importância dos ativos intangíveis. Setores como eletrónica, farmacêutica, tecnologias de informação e automóvel dependem cada vez mais de conhecimento e diferenciação tecnológica. Programas europeus como o Horizonte Europa e o Plano de Ação para a Propriedade Intelectual têm incentivado a valorização destes ativos, ainda que muitas PME continuem a não aproveitar todo o seu potencial.
Durante a pandemia COVID-19, o investimento em ativos intangíveis demonstrou maior resiliência face aos ativos físicos, sugerindo que a aposta em inovação pode contribuir para maior estabilidade empresarial [2]. Este cenário fortalece a ideia de que proteger a inovação é uma estratégia de mitigação de risco.
Aplicação prática para as empresas
Para as empresas industriais, a proteção da inovação é uma condição de sustentabilidade. Sem proteção adequada, produtos inovadores podem ser rapidamente copiados, reduzindo margens e colocando em causa o retorno do investimento. Em contrapartida, um portefólio bem gerido atrai investimento, gera receita recorrente e permite diferenciar-se num mercado competitivo.
Por exemplo, uma empresa tecnológica que desenvolva um processo produtivo mais eficiente, desde que protegida por direitos de PI, pode licenciá-lo a terceiros, gerando receitas sob a forma de royalties. Uma marca registada com notoriedade facilita a entrada em novos mercados, permite franchising e reforça a fidelização de clientes.
Programas como o Fundo PME da EUIPO apoiam financeiramente o registo de direitos de PI, mas muitas empresas ainda desconhecem estas oportunidades.
Soluções de proteção e valorização
A propriedade industrial e intelectual disponibiliza diversos mecanismos de proteção, incluindo:
- Patentes, que conferem exclusividade a invenções técnicas durante 20 anos;
- Marcas, que protegem a identidade comercial e facilitam parcerias e expansão;
- Desenhos ou modelos, essenciais na diferenciação estética de produtos;
- Segredos comerciais, úteis para proteger know-how com valor económico.
Alguns destes ativos – como patentes e marcas adquiridas ou licenciadas – podem ser contabilizados como ativos não correntes, valorizando o balanço [3], e amortizados na demonstração de resultados ao longo da sua vida útil. Mesmo quando desenvolvidos internamente e não ativáveis, continuam a ter elevado valor económico e estratégico. Assim, a proteção de PI não é apenas uma defesa jurídica, mas também uma ferramenta de valorização contabilística e de posicionamento competitivo.
Estratégias para gerar retorno
A conversão de ativos em receita pode ainda ser feita através de diversas vias:
- Licenciamento, permitindo a terceiros o uso de direitos mediante royalties;
- Cessão de direitos, em que se transfere definitivamente o ativo por contrapartida financeira;
- Joint ventures, onde a PI é usada como contributo estratégico;
- Spin-offs, criando novas empresas focadas numa tecnologia específica;
- Novas linhas de negócio, com base em tecnologias ou marcas existentes.
Estas estratégias devem ser apoiadas por avaliações de ativos, contratos sólidos e conhecimento fiscal e regulatório. As empresas que incorporam estas práticas na sua gestão são mais atrativas para investidores e estão mais bem preparadas para escalar.
Perspetivas e próximos passos
As tendências tecnológicas — como inteligência artificial, energias limpas ou biotecnologia — continuarão a gerar ativos com elevado potencial de monetização. A entrada em vigor da Patente Unitária e do Tribunal Unificado de Patentes na Europa facilitará a proteção em múltiplos mercados.
Por outro lado, cresce a expectativa de que os ativos intangíveis venham a ter maior visibilidade nos relatórios financeiros. Países como a Irlanda e a Suécia já demonstram o impacto da inovação, com os intangíveis a representar mais de 16% do PIB [2]. A União Europeia aponta neste sentido, promovendo educação em PI e incentivos à valorização destes ativos.
A inovação, por si só, não garante retorno. Só através da sua proteção e valorização é possível gerar receita, cobrir o investimento inicial e alcançar vantagem competitiva. Integrar a propriedade intelectual na estratégia da empresa permite transformar ideias em ativos, ativos em valor contabilizável, e esse valor em receita tangível.
Esta transformação – da inovação ao ROI – deve ser vista como um ciclo contínuo e estratégico, essencial para o crescimento sustentado. Perante um cenário competitivo e globalizado, a verdadeira questão passa a ser: está a sua empresa preparada para rentabilizar o que cria?
Referências
[1] EUIPO & EPO (2021). “IPR-intensive industries and economic performance in the European Union”. European Union Intellectual Property Office and European Patent Office.
[2] OECD (2022). “Intangible Assets and Value Creation”. Organisation for Economic Co-operation and Development.
[3] Sistema de Normalização Contabilística – NCRF 6 (Ativos Intangíveis). Comissão de Normalização Contabilística.